3 de abril de 2010


Charles Bukowski





       O Mercado dos Trabalhadores Rurais ficava na Fifth Street com a San Pedro. Você tinha que se apresentar às cinco da manhã. Ainda estava escuro quando eu cheguei lá. Alguns homens estavam sentados, outros de pé, enrolando seus cigarros e conversando baixinho. Tais lugares sempre têm o mesmo cheiro — suor velho, urina e vinho barato.
       No dia anterior, eu tinha ajudado Jan a se mudar para a casa de um corretor de imóveis, um gordo que morava na Kingsley Drive. Fiquei escondido num canto do saguão e a vi beijá-lo. Logo os dois entraram no apartamento dele e a porta se fechou. Retornei sozinho para a rua, notando pela primeira vez os papéis esvoaçantes e o lixo que se acumulava pelas calçadas. Haviamos sido despejados de nosso apartamento. Eu tinha US$ 2,08. Jan me prometeu que esperaria minha sorte mudar, mas era dificil de acreditar nisso. O nome do corretor era Jim Beinis, tinha um escritório na Alvarado Street e era cheio da grana.
       — Odeio quando ele trepa comigo — ela tinha dito.
       Agora, provavelmente, ela estava dizendo a mesma coisa de mim.
       Laranjas e tomates eram empilhados em diversas caixas e, aparentemente, eram de graça. Apanhei uma laranja, fiz um buraco com os dentes na casca e chupei o suco. Eu havia exaurido os meus beneficios do seguro-desemprego desde que deixara o Hotel Sans.
       Um cara de cerca de quarenta anos veio em minha direção. Seu cabelo parecia morto, de fato nem parecia cabelo humano, lembrando mais fios de linha. A luz branca que vinha do teto lhe atingia em cheio. Ele tinha verrugas marrons na cara, muitas delas concentradas ao redor de sua boca. Um ou dois pêlos negros brotavam de cada uma delas.
       — Como vai?
       — Tudo bem.
       — Está a fim de um boquete?
       — Não, acho que não.
     — Estou com tesão, cara. Estou excitado. Sei realmente fazer um.
       — Escute, sinto muito. Não estou a fim.
       Ele se afastou tomado de fúria. Dei uma olhada pelo galpão. Havia cerca de cinquenta homens esperando. Havia dez ou doze funcionários do governo sentados em suas mesas ou caminhando ao redor. Eles fumavam e pareciam mais preocupados que os vagabundos de rua. Os funcionários estavam separados dos vagabundos por uma sólida tela de metal entrelaçada, que ia do teto ao chão. Alguém a tinha pintado de amarelo. Era um amarelo bastante apagado.
       Quando um dos funcionários tinha que fazer uma transação com um dos vagabundos, ele destravava e corria uma portinhola de vidro presa à tela. Quando a questão da papelada se resolvia, o funcionário fechava a portinhola, trancava-a por dentro e, toda vez que isso ocorria, a esperança parecia desaparecer. Todos despertávamos quando a portinhola deslizava, a chance de cada homem era a chance de todos nós, mas, quando ela se fechava, a esperança evaporava. Então restava apenas olhar para as caras uns dos outros.
       Na parede dos fundos, atrás da tela amarela e dos funcionários, havia seis quadros-negros. Havia gizes brancos e apagadores, como na escola. Cinco dos quadros estavam vazios, embora ainda fosse possível enxergar os resquícios das mensagens anteriores, de trabalhos há muito haviam sido preenchidos, e naquele momento perdidos para sempre, ao menos no que nos dizia respeito.
Havia uma mensagem no sexto quadro:

PRECISA-SE DE COLHEDORES DE TOMATES
EM BAKERSFIELD

       Eu pensara que as colheitadeiras automáticas haviam extinguido esse trabalho. No entanto, ali estava o anúncio. Seres humanos, aparentemente, saem mais barato que máquinas. E máquinas quebram. É isso.
       Dei uma olhada ao redor do recinto — não havia orientais nem judeus, pouquíssimos negros. A maioria dos vagabundos ou era composta de brancos pobres ou de mexicanos. Os dois negros, naquele momento, já iam altos no vinho.
       Então um dos funcionários se pós de pé. Era um homem grande, com uma proeminente barriga de cerveja. O que você podia notar era sua camisa amarela com listras pretas verticais. A camisa estava esturricada, e ele usava braçadeiras — para segurar suas mangas como nas fotografias tiradas em 1890. Ele se aproximou e destravou uma das janelas de vidro na tela amarela.
      — Muito bem! Há um caminhão lá nos fundos recolhendo gente pra trabalhar em Bakersfield!
       Correu a janela, trancou-a, sentou-se à sua mesa e acendeu um cigarro.
       Por um momento, ninguém se mexeu. Então, um a um, aqueles que estavam sentados nos bancos começaram a se levantar, os rostos sem expressão. Os homens que já aguardavam de pé deixaram cair seus cigarros e os apagaram cuidadosamente com as solas de seus sapatos. Depois disso, começou um êxodo vagaroso e geral; todos saíram em fila por uma porta lateral que dava para um pátio cercado.
       O sol nascia. Na verdade, olhávamos pela primeira vez uns para os outros. Uns poucos homens sorriam ao reconhecer um rosto familiar.
       Permanecemos enfileirados, lutando para conseguir chegar até a caçamba, o dia começando a raiar. Era hora de partir. Subíamos em um caminhão de exército usado na Segunda Guerra Mundial, a cobertura de lona toda rasgada. Fomos avançando, aos encontrões, mas ao mesmo tempo tentando manter a mínima polidez. Então, cansado das cotoveladas, dei um passo para o lado.
       A capacidade do caminhão era admirável. O grande capataz mexicano acompanhava a tudo em um dos lados da traseira da caçamba, acenando sem parar:
       — Isso aí, isso aí, vamos lá, vamos lá...
       Os homens avançavam devagar, como se entrassem na boca de uma baleia.
       Pela lateral do caminhão eu podia ver os rostos deles; falavam baixinho e sorriam. Sentia a um só tempo repugnância por aquelas pessoas, mas também minha solidão. Então decidi que era capaz de colher tomates. Decidi embarcar. Alguém bateu em mim pelas costas. Era uma mexicana gorda e ela parecia bastante sentimental. Agarrei-a pelos quadris para ajudá-la a subir. Ela era muito pesada, difícil de manejar. Finalmente encontrei apoio em algo; aparentemente uma de minhas mãos se atolou no fundo das suas virilhas. Consegui colocá-la para dentro. Então fui em busca de um apoio para também subir. Eu era o último. O capataz mexicano pôs o pé sobre minha mão.
       — Não — ele disse —, já temos gente que chega.
       O motor do caminhão deu a partida, engasgou e apagou. O motorista tentou novamente. Desta vez pegou, e eles seguiram em frente.


Factótum, Charles Bukowski. L&PM POCKET.




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