15 de setembro de 2010



Da conquista do principado
 por meio do crime

Mas como de cidadão comum da vida privada se chega também a príncipe de duas outras maneiras, as quais não dependem em absoluto da fortuna ou do valor, parece-me que não se deve deixá-las de lado, embora pudéssemos discorrer sobre uma dessas maneiras mais amplamente onde tratássemos das repúblicas. Tais maneiras consistem em atingir-se a condição de príncipe por qualquer meio criminoso e execrável ou em um simples cidadão tornar-se príncipe de sua pátria graças aos favores dos outros cidadãos. E, referindo-se à primeira maneira, apresentaremos dois exemplos, um antigo e outro moderno, sem expressar juízos porque considero que a quem os necessite bastará segui-los.
O siciliano Agátocles tornou-se rei de Siracusa oriundo não apenas da condição de cidadão qualquer, mas diretamente de condição baixa e vil. Filho de um oleiro, sempre foi em todas as fases da vida um celerado. Entretanto, sua vida de crimes foi acompanhada de uma tal força de espírito e de corpo que, ingressando no exército, fez carreira e tornou-se pretor de Siracusa. Estabelecido neste posto e tendo-se decidido a se tornar príncipe e conservar pela força, sem dever obrigação a ninguém, o poder que lhe havia sido concedido sob consenso e em entendimento acerca de seu plano com Amílcar, de Cartago, o qual guerreava na Sicília com suas tropas, reuniu uma manhã todo o povo e o senado de Siracusa como se fosse deliberar sobre coisas pertinentes à república, assuntos da administração ordinária. E a um sinal combinado fez com que seus soldados matassem todos os senadores e as pessoas mais ricas da cidade. Após o massacre, ele ocupou e conservou pela força o principado daquela cidade sem qualquer debate com os cidadãos.
Embora tenha sido derrotado duas vezes e finalmente sitiado pelos cartagineses, não foi só capaz de defender a cidade como, tendo deixado uma parte dos seus cuidando da defesa contra o cerco, com outra parte atacou a África e, em pouco tempo, libertou Siracusa do assédio e reduziu os cartagineses a uma situação tão penosa que estes foram obrigados a firmar um acordo com ele, segundo o qual se dariam por satisfeitos com a posse da África, deixando para Agátocles a Sicília.
Quem considerar, portanto, as ações e a vida de Agátocles, pouco ou nada verá que se possa atribuir à fortuna, visto que, como dissemos anteriormente, ele chegou à posição de príncipe não pelo favor de alguém, mas sim pelas graduações da carreira militar, conquistadas mediante mil esforços e perigos, tendo preservado o principado por ter sabido tomar decisões corajosas e arriscadas. Não se pode, por outro lado, chamar de valor o matar os concidadãos, trair os amigos, revelar-se sem fé, sem piedade, sem religião: por tais meios pode-se conquistar o poder, mas não a glória. Pois se considerarmos que o valor de Agátocles reside ao afrontar e safar-se dos perigos e sua grandeza de espírito, no suportar e superar adversidades, não se verá por que tenha que ser julgado inferior a qualquer excelente capitão. Todavia, sua bestial crueldade e sua desumanidade, acompanhadas de inúmeros crimes, não permitem que seja glorificado entre os homens mais ilustres. Não se pode, consequentemente, atribuir à fortuna ou ao valor aquilo que sem uma e outro foi por ele conseguido.
No nosso tempo, durante o papado de Alexandre VI, Oliverotto Euffreducci de Fermo, tendo ficado na infância órfão de pai, foi educado por um tio materno chamado João Fogliani e no início de sua juventude foi alistado nas tropas de Paulo Vitelli para que, preparado na disciplina atingisse uma excelente patente militar. Com a morte de Paulo Vitelli, colocou-se sob o comando do irmão de Paulo, Vitellozzo. Em pouquíssimo tempo, graças ao seu talento e à sua força de espírito e disposição física, tornou-se o primeiro homem de sua companhia. Mas visto que lhe parecia coisa servil permanecer sob o comando dos outros, planejou, com a ajuda de alguns cidadãos de Fermo ─ para os quais a servidão era mais cara do que a liberdade da pátria ─ e o favorecimento de Vitellozzo, ocupar Fermo. E ele escreveu a João Fogliani que, tendo estado muito tempo fora de casa, desejava voltar a vê-lo e à sua cidade e, de qualquer modo, verificar o seu patrimônio. E como se empenhava somente para adquirir honra, para que seus concidadãos vissem como não esbanjara o tempo, desejava chegar solenemente e acompanhado de cem cavaleiros, de seus amigos e servidores. Pedia ao tio que providenciasse para que os habitantes de Fermo o acolhessem condignamente, com o que ele não o honraria apenas, mas também a si mesmo, já que Oliverotto era seu discípulo.  
 João Fogliani, então, não poupou esforços para servir o sobrinho e, fazendo-o ser recebido com todas as honras pelos cidadãos de fermo, hospedou-o em sua casa. Transcorridos alguns dias, durante os quais devotou-se secretamente ao preparo daquilo que seria necessário ao seu futuro crime, organizou um banquete suntuoso para o qual convidou João Fogliani e todos os homens importantes de Fermo. Consumidas todas as iguarias e encerrados todos os entretenimentos usuais nesses banquetes, Oliverotto conduziu a conversação para certos assuntos sérios, como a grandeza e as realizações do papa Alexandre e César Borgia, seu filho. Tendo Fogliani e os outros respondido ao seu discurso, ele imediatamente se levantou, afirmando que se tratava de coisas a serem discutidas num local mais secreto e se dirigiu para um aposento, sendo seguido por João Fogliani e todos os outros cidadãos. Mal haviam se sentado e já alguns soldados saídos de seus esconderijos no aposento os matavam ─ João Fogliani e os outros.
Depois do assassinato, Oliverotto montou seu cavalo, correu pela cidade, apoderou-se desta pela força e assediou no palácio o supremo magistrado, tanto que por medo foram constrangidos a obedecê-lo e formar um governo do qual ele se fez príncipe. Mortos todos aqueles que por estarem insatisfeitos poderiam prejudicá-lo, fortaleceu-se com novas regras civis e militares, de modo que, no período de um ano em que manteve o principado, não somente conservou-se em segurança na cidade de Fermo como tornou-se também temido por todos seus vizinhos. E teria sido difícil afastá-lo do poder, do mesmo modo que fora a Agátocles, se não tivesse se deixado enganar por César Borgia, quando em Senigália, como mencionamos anteriormente, os Orsini e Vitelli foram capturados; aqui também apanhado um ano após o parricídio cometido, foi estrangulado com Vitellozzo, aquele que fora seu mestre em valentia e crime.
Alguém poderia perguntar como Agátocles e alguns outros semelhantes a ele, após inumeráveis traições e crueldades, puderam viver tanto tempo em segurança em suas pátrias e se defender dos inimigos externos sem que seus concidadãos conspirassem contra eles, enquanto muitos outros, através da crueldade, não puderam se manter no poder mesmo em tempos de paz, sem falar nos difíceis tempos de guerra. Acredito que isto esteja vinculado à crueldade mal ou bem empregada. Bem empregadas podem ser consideradas aquelas crueldades (se bem pode-se dizer do mal) que se fazem uma única vez dada a necessidade de pôr-se em segurança, sem nelas insistir posteriormente, buscando-se, ao contrário, assegurar aos súditos a maior quantidade possível de proveitos; mal empregada são aquelas crueldades que, a despeito de serem poucas no início, com o passar do tempo se multiplicam em lugar de cessarem. Aqueles que observam a primeira modalidade podem, com o auxílio de Deus e dos homens, encontrar para seus Estados alguma solução favorável, como fez Agátocles.  Para os outros a manutenção no poder é impossível.
Diante disso, cumpre observar que, ao conquistar um Estado, o conquistador deve avaliar rapidamente todas as violências que lhe são necessárias cometer e cometê-las todas de um só golpe para não ter que repeti-las todos os dias e poder, não as repetindo, tranquilizar os homens e conquistá-los beneficiando-os. Quem fizer de outra forma, seja por timidez, seja porque mal aconselhado, será obrigado a ter sempre o punhal à mão e não poderá jamais contar com seus súditos, estes não podendo, por sua vez, nele confiar devido às suas recentes e constantes violências. Pois as violências devem ser feitas todas em conjunto para que, dispondo-se de menos tempo para provar seu gosto, permaneçam menos amargas; os benefícios devem ser concedidos pouco a pouco para que sejam mais bem saboreados. E um príncipe deve, sobretudo, viver com seus súditos de modo que nenhum acontecimento, bom ou mau, o faça mudar, pois surgindo as necessidades nos tempos adversos, não te sobrará tempo para o mal; e o bem que tu fazes não te favorece, pois é considerado forçado e não te traz nenhum reconhecimento.






Capítulo VIII

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