13 de março de 2011



Despedida



Após alguma dúvida sobre a cor da gravata, finalmente optou por uma bordô. O paletó já possuía. Dera a sorte de encontrar um em perfeito estado, preto, com finíssimas riscas vermelhas, um verdadeiro achado. No interior, na etiqueta da gola, lia-se “made in England”. Recordou que não o levara na primeira vez. Passara mais umas duas ou três vezes no mesmo brechó para experimentá-lo, queria ter certeza de que o caimento era perfeito, temendo ao mesmo tempo que alguém o comprasse antes. O temor de que pudesse perdê-lo era amenizado pela ideia de que o verão estava no auge. O calor era intenso, mesmo à noite. Ninguém iria querer uma peça daquelas. Os brechós eram frequentados por gente de baixa renda, cuja prioridade era roupas da estação.

Após umas três visitas à loja dera-se conta de que, por uma dessas coincidências inexplicáveis do destino, aquela peça de roupa parecia ter sido feita sob medida para ele. As mangas levemente acima dos pulsos, a parte superior amoldando-se como uma luva aos ombros, o corte levemente cinturado, e o comprimento exatamente na linha inferior das nádegas. Lembrou de quando fora ao caixa, abrira a carteira e recebera o preço: “Barato, né?”, dissera-lhe a pessoa que lhe atendera, uma velha de rosto muito enrugado. “Foi do marido de uma velha amiga”. Camisa, usaria uma que já possuía: azul-marinho com riscas acinzentadas que cruzavam-se formando um padrão quadriculado. O resto era uma calça preta e botinas de camurça. Pegou a pequena sacola plástica com a gravata e saiu da loja. Na rua, guardou a gravata enrolada no bolso da calça e jogou a sacolinha no lixo. Passou em uma floricultura, pagou por um dúzia de rosas vermelhas e as mandou entregar com o cartão: “Apesar dos pesares, apostei no coração”.

Estava tudo pronto para a grande ocasião. Embora seu estado de humor permanentemente sombrio fosse o motivo que o havia levado a tomar uma decisão, sentia uma profunda serenidade às portas da partida. 

Apanhou um pouco de chuva no caminho de volta pra casa. Entrou em casa e fechou a porta sem chavear. Verteu uísque em um copo e sorveu pausadamente três goles como se fossem os últimos. Pensou em ligar o rádio, mas o silêncio estava bom. Um última olhada demorada através da janela da cozinha para o céu nublado. Gotículas de chuva muito finas formavam uma névoa húmida lá fora. O perfume ainda estava pela casa. Foi ao quarto previamente preparado. Nas duas últimas semanas recolhera lençóis e fronhas e os colocara num saco de lixo para não sentir mais o cheiro da ausência.  O cheiro outrora agradável, agora partia-lhe o coração. Havia lixado as paredes para serem cobertas com a tinta que escolhessem mais tarde. Também havia limpado o chão e tomado o cuidado de cobrir o piso com um plástico para não manchá-lo. Deixou as roupas por último. Esvaziou o armário e pôs tudo em duas malas para a caridade. Iria viajar leve. Só faltava estar pronto para quando o encontrassem. Fez a barba, entrou no chuveiro. Tomou um longo e demorado último banho naquela casa. Toalha, pente, perfume. Calça, meias, botinas, camisa. Camisa para dentro das calças, cinto, gravata, nó Windsor, paletó.

Antes de partir definitivamente, sobre o travesseiro de fronha encarnada em cima da cama, colocou dobrada a toalha com que se secara. Deitou-se e afundou bem a nuca nela para evitar respingos, fechou o primeiro botão do paletó, pegou o revólver na cabeceira da cama, pôs o cano na boca e puxou o gatilho.



S. E.





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