12 de dezembro de 2010


Breve relato sobre uma noite perfeita

Sapiranga, 10 de dezembro de 2010, Bar do Morro.




Fiquei sabendo que o show seria na sexta, segunda-feira quando abri o jornal. Como trabalho até as 22:30 não fiquei muito animado, e não pensei mais no assunto durante o resto da semana. Mas na tardinha de sexta uma providencial queda de cinco postes elétricos perto da escola a deixaria sem energia elétrica e sem previsão de retorno da luz. Por isso as aulas foram suspensas e os professores dispensados lá pelas 19:00, um bom presságio que trouxe à tona minhas intenções de visita à terra dos Muckers. 


Calculei quanto dindin teria que levar: uns 10 pro ônibus (ida e volta), 25 pro taxi, e uns 40 de trago... Mas a necessidade de estar prevenido para outras despesas do dia-a-dia me questionou o intento, de modo que avaliei se não seria mais barato ir a um bar aqui da cidade, o Rock and Roll. Liguei convidando um amigo para o show -- companhia elevaria o ânimo de sair --, mas ele recusou, dizendo que tinha passado o dia derretendo em Gramado e que estava meio resfriado e tal... e por algum tempo ainda fiquei nesse vô não vô. Mas tava um calorão desgraçado em Novo Hamburgo, e senti vontade de sair para a rua, para um lugar diferente, retirado do ambiente urbano como o Bar do Morro. A necessidade de economizar quase me fez sair com o dinheiro contado. Voltei e peguei mais uns vinte só por precaução. Já era umas 22:30.


O ônibus estava lotado e tive que ficar parado nos degraus por um bom número de quadras. O bom foi que só paguei três pilas de passagem, bem aquém do que havia calculado. Não tinha jeito de passar pela roleta, pois o corredor estava atulhado de gente. E assim fui de Novo Hamburgo a Campo Bom nos fundos da diligência. Campo bom é uma cidadezinha de nada que tem neurose pela organização do trânsito. Cruzar sua avenida principal de pinga-pinga exige um certo perfil psicológico para não enlouquecer, pois a cada quadra existe uma sinaleira que adora avermelhar e ficar assim por muito tempo. Sem falar que o pessoal de lá adora sair de carro para se apinhar naquele centro minúsculo.


O povo foi descendo, a diligência esvaziou um pouco e aproveitei um dos assentos que sobraram. Chegamos à rodoviária deserta da cidade apenas para que mais gente descesse. Percebi que havia dois assentos vazios bem na frente da diligência. Levantei e fui até eles esparramar a carcaça de frente para o para-brisas, observando a paisagem noturna dessa cidadezinha gaúcha. Também não pude deixar de observar que o motorista estava realmente estressado quando teve que parar a pedido de uma mulher com uma menina que se enganou de parada, pedindo para descer na próxima. O timoneiro não se conteve e engatou a primeira entre resmungos até o próximo ponto. Logo chegamos à rodoviária de Sapiranga. Desci do ônibus desejando boa viagem ao motorista -- talvez uma palavra positiva lhe animasse um pouco --, mas parece que ele nem deu bola.


Peguei um táxi ao lado da rodoviária rumo ao Bar do Morro. Quando contei ao taxista que a Cachorro Grande ia tocar lá, ele ficou surpreso, não sabia de nada. Já eram umas 23:30, e eu era o primeiro que havia pedido uma corrida para o bar. Estranhou porque a cidade estava  calma demais para um show de banda daquele calibre. No caminho fomos passando por grupos de adolescentes, alguns com garrafas de vinho, indo na direção do show.


Fui direto à copa, mas o senhor Jack Daniels não estava. Johnnie Walker também não -- acho que tinha ido dar uma caminhada. Todavia, o copeiro me apresentou a Sir Edwards -- uma agradável surpresa, diga-se de passagem. Saí para os fundos do bar e caminhei pelo gramado até em frente ao palco. Eu me sentia incrivelmente bem, como só me sentira uma vez antes na vida. Olhei para cima e dei de cara com uma estrela muito brilhante sobressaído-se solitária em meio ao céu que terminava de nublar. Saímos dali -- Sir Edwards e eu -- e fomos nos acomodar debaixo das árvores. Uma brisa agradável andava por lá, e eu alí, sob as folhas que dançavam, vendo o pessoal passar o vocal em meio àquele clima de noite de Rock no meio do mato.


O pessoal foi chegando aos poucos, a pé, de moto, de carro e os bancos sob as árvores foram sendo ocupados. Levantei para dar uma caminhada. Peguei uma água, dei meia volta e sentei num banco vazio sob as primeiras árvores em frente à copa. Duas meninas de curtos cabelos e vestidos pretos ocuparam o que sobrou do banco onde eu estava sentado. Um vira-latas passou roçando as canelas delas:


"Cachorrinho bebum. Vem cá..."


Acho que o show foi começar lá pela uma da manhã. Nessa altura a maresia já havia tomado conta do ar. Uma cortina instrumental abriu os trabalhos. Estava parado longe do palco, bem no fundo do gramado quando vi os caras sairem correndo em fila do camarim para emburacarem no palco. E eles entraram com tudo pra dar aquilo que os presentes esperavam: uma noite de bom Rock. Passei o show inteiro em suave êxtase, com um sorriso estampado na cara. Não conseguia evitar. "Dei uma dentro em ter vindo aqui...". E se não estava rindo era porque estava com cara de apavorado por causa daquela guitarra animal disparando solos em todas as direções, para muito além dos solos das músicas propriamente ditas. Solos intermináveis que iam ascendendo em intensidade até acalmarem como se fossem acabar, apenas para continuarem por mais tempo. E as gurias dançando  o Rock And Roll. Que loucura.


Diversão na certa. Até mesmo nas vezes em que fui à copa buscar umas latas ao som de "ele era um bom brasileiro...". Numa dessas vezes fui informado que o Sr. Johnnie Walker havia chegado vestido de vermelho.


Limpei os ouvidos...  No final, no último solo da guitarra, encostei o ouvido direito na caixa de som para desobstruir os canais auditivos e lavar o cérebro encardido daquelas porcarias que o povão ouve e que não tenho como evitar ouvir quando saio pra rua. 


Aqueles que como eu têm o gosto musical bem definido pelo Rock, e que independente dos motivos não têm a menor simpatia por Dance e Pagode, em oportunidades como a do dia 10 sentem que o Rock está bem vivo, e não apenas em estado vegetativo, mas radiante em melodias, sonoridades e lirismo.


Finalizo esse pequeno relato parabenizando o Bar do Morro pela estrutura, ambiente e pelas pessoas que lá trabalham.



Cachorro Grande, provavelmente a melhor banda de Rock brazuca de todos os tempos.





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